quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da vida II

 Era apenas uma garotinha, deitada no chão, sobre o alçapão. Havia alguns lençóis formando uma cabana improvisada naquele quarto antigo.
 "Hoje faz Sol". E a senha:"Mas ainda vai chover."
 A entrada da outra pequena garota é permitida. Ela traz algo como uma vitamina de leite em pó preparada pela a avó e, fingindo que têm uns dez anos a mais deitam-se lado a lado observando a estampa do velho lençol.
 -Vamos brincar de namorado?
 Imediatamente decidem a idade que têm, seus novos nomes,a cor de seus cabelos, a idade de seus namorados, seus rostos,seu jeito, suas ações,reações e, enquanto a brincadeira acontece, elas sentem que podem mudar o mundo.
 Saem da barraca.
 A cama de seus avós, que na época parecia tão grande, vira um restaurante, uma sala de aula, um sofá, uma cama mesmo...Onde elas deitam e sonham o universo perfeito.

 Os lençóis viraram panos de chão.O quarto foi demolido. O cheiro não está mais em lugar nenhum. O universo perfeito não saiu de seus sonhos e os namorados ficaram esquecidos em páginas de diários.
 Elas aprenderam a lidar com os namorados reais e perceberam que, nem sempre ou quase nunca eles diziam aquilo que elas haviam planejado.
 Aprenderam as lágrimas, as dores e as despedidas que elas jamais haviam ensaiado em suas brincadeiras.
 As garotinhas perceberam que nada daquele universo inventado era de verdade, e se viram obrigadas a se tornar garotas grandes, abandonando todo o sonho que um dia criaram.
 Em algumas noites elas ainda exclamam sobre o Sol daquele dia.
 Ninguém nunca responde.
 Mas quando elas olham para cima, procurando os desenhos do velho lençol,ainda conseguem sentir o cheiro do velho quarto e elas sabem que sempre estarão lado a lado.
 Elas ainda tem a maior das ligações.
 Duas garotinhas guardaram para elas...

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