quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Antes que se fechem os olhos III

Quando chega a noite e me enfio entre cobertores de gelo, minha mente voa para além das geleiras do tempo, de encontro ao calor que seu corpo me traz...
E então me vejo, da maneira como eu gostaria que seus olhos me vissem, tão diferente do reflexo no espelho. Nós sempre nos estamos reencontrando, com o vento batendo e bagunçando meus cabelos.Você se aproxima com aquele meu sorriso favorito brincando no canto da boca, segura aquela mecha insistente atrás da minha orelha e diz: "tenho pensado tanto em você".
É sempre nessa parte que eu abro os olhos, porque quase posso sentir seu perfume.
Quando consigo voltar aos pensamentos de antes, aquela eu, tão incrível dos sonhos consegue respirar de forma tranquila como, provavelmente, a eu real jamais saberia fazer. E meu corpo real, de fato treme debaixo das cobertas, como tremeria se você o dissesse, e solto uma gargalhada que ecoa pela silêncio da madrugada... Mas a eu dos sonhos apenas lhe olha nos olhos como se você estivesse dizendo algo que ela sempre soube, ela lhe sorri e você a abraça. E então me perco toda ao seu toque e digo todas as coisas que pensei quando estivemos longe.
[Você jamais sai do meu pensamento real ou imaginário.]
E é nesse momento que eu abro os olhos e me pego agarrada num bicho de pelúcia que não lembro ter colocado na cama. Envergonhada de mim mesma, imaginando sua reação se estivesse ali, eu peço... Peço proteção a você, peço que sua noite seja maravilhosa e seu dia incrível. Lembro das tantas coisas que nunca acreditei antes de você: De contos de fadas a almas gêmeas...E antes que Morfeu me carregue, peço para que nada mude, para que eu jamais precise reencontrá-lo, porque jamais nos desencontraremos...
Eu nunca acreditei em anjos... Mas todas as noites peço ao meu que te proteja.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dessa estação...

-Mas o que muda quando ela chega?
-Tudo muda.
-Tudo?
-Tudo.
-Por exemplo...?
-Os lugares ficam mais bonitos
-E isso é importante?
-Claro. A gente sente na pele as mudanças!
-Ah...
-As pessoas ficam mais bonitas também.
-Você sempre diz que beleza não é tudo...
-E não é.
-Então o que mais?
-Eu já te disse. Muda tudo.
-Por que?
-Porque as pessoas sentem a diferença no clima...
-Ah! Fica mais quente?
-Não esse clima...
-Não?
-Bom, esse também...Mas o que importa é o clima entre as pessoas.
-E não é o mesmo?
-Não.
-Então como?
-As pessoas ficam diferentes umas com as outras.
-Diferentes?
-É, ficam mais amáveis.
-Elas param de se machucar?
-Bom...
-E param de fazer guerras e de tentar matar o mundo?
-Na verdade não, mas...
-Então...PRA QUE É QUE A PRIMAVERA VEM?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Da direção...

-A Rua das Flores, por favor?
-Próxima à esquerda, depois terceira à direita.
-Obrigada.
-Disponha.
(...)
-É...
-Mais alguma coisa?
-A felicidade, por favor?

domingo, 12 de setembro de 2010

Do frio I

Sentada na velha escadaria da já conhecida praça, observo:
Ternos apagados pregam sua apagada crença
Bancos se tronam cada vez mais vazios
Observo, na já conhecida escadaria da velha praça, sentada:
O sino chora oito grandes lágrimas de ferro
Os ponteiros se arrastam pelos números de cobre antigo
Na praça da escadaria velha, observo, já conhecida sentada:
As pessoas abraçadas, movem-se em passadas rápidas
As árvores, agora nuas, balançam no ritmo do vento
Da escadaria, velha conhecida, já observo na praça, sentada:
Memórias de chuvas longínquas
Calor de abraço distante
Já velha, na conhecida escadaria da praça, observo sentada:
Olhos que nunca foram seus
Beijos que jamais serão meus...

E de repente, faz tanto frio...

Das mãos...

-Percebi que o cérebro não é o principal órgão do corpo
-Não mesmo. É o coração.
-Também não...
-Então qual?
-As mãos...
-As mãos?
-É.
-Mas sem o coração o sangue não fluiria e..
-Fluiria... As mãos comandam o sangue, todo o pulsar. Perceba: No cinema, quando as mãos se tocam, o coração dispara, bombeando o sangue da maneira certa, ou quando elas apalpam a pele desejosa por carne...
-Mas..
-Quando se entrelaçam os dedos...
-Tá. Pode ser, mas o cérebro é quem manda que elas ajam
-Não.
-Não?
-Foi por isso que percebi que não é o cérebro que comanda o corpo todo...
-Como assim?
-Meu cérebro diz que é a coisa errada, que eu vou sofrer muito...E mesmo assim...
-Mesmo assim...?
-As mãos insistem em discar um número que não quer ouvir minha voz...

Penélope II

E então ele deixou seus braços caírem soltos ao lado do corpo, virou as costas e começou a se afastar
Ela correu até ele, chamando
Ele se virou

-O que foi?
-Não vá ainda...
-Por que?
-É que...Eu queria dizer que eu me diverti muito hoje! Eu sempre me sinto tão bem ao seu lado...Mesmo que fiquemos apenas conversando por essas poucas horas, sempre parece que foram as melhores horas da minha vida. Eu posso enxergar todas as cores do arco-íris...E algumas que o arco-íris nem conhece.

Ele sorri aquele sorriso a que ela nunca foi capaz de resistir

-Eu espero que você volte amanhã...
-É claro que eu voltarei, de agora em diante eu estarei sempre aqui!
-Mesmo?
-É. Eu gosto mesmo de você, não percebe?
-Eu... Mas... E... Ela...Você...E...?
-Chega. Agora somos apenas você e eu. Esses momentos foram os mais felizes para você não foram? Para mim também. é hora de esquecer os anos em que estive com a pessoa errada.
-Mas vocês se amam.
-E quem se importa? Eu não consigo ficar longe de você. Você me faz bem.
-Você também... Eu me sinto a pessoa mais feliz de todo o mundo ao seu lado. E cada vez que nos despedimos é como se fosse meu último momento de felicidade.

Ela abriu os olhos, a cena toda se desfez, ainda estava dentro do abraço dele.
E então ele deixou seus braços caírem soltos ao lado do corpo, virou as costas e começou a se afastar
Ela correu até ele, chamando
Ele se virou

-O que foi?
-Não vá ainda...
-Por que?
-É que...
-O que?
-Eu...É...Deixou cair um cílio!
-Um cílio?
-É... Faça um pedido

Eles juntam os dedos
Ela deseja com toda força
Ele ganha
Ela começa a se afastar
Ele chama
Ela olha
Ele a abraça com toda sua força, vira-se e começa a se afastar
Ela fala baixinho

-É que...Eu queria dizer que eu me diverti muito hoje (...) Eu espero que você volte amanhã...


Da queda

Estava entre areia e pedregulhos.
O vestido branco e os cabelos negros esvoaçavam, a água que respingava moldava a silhueta de seu corpo.
A cabeça apoiava-se nos joelhos enquanto observava o oceano abaixo de si, imaginando...

Ele se aproxima em silêncio
Ela prefere fingir que o som das ondas batendo nas pedras era mais alto que o dos passos dele
Ele toca-lhe o ombro direito
Ela fecha os olhos e deixa cair a lágrima que tentava segurar dentro das pálpebras abertas
Ele abaixa-se a seu lado e levanta sua cabeça com delicadeza
Ela lhe olha fundo nos olhos
Ele aproxima-se para beijá-la
Ela esquiva-se e corre na direção oposta
Ele não entende e corre de encontro a ela
Ela coloca em sua mão um papel molhado de água salgada
Ele começa a desdobrá-lo
Ela segura a mão dele fechando-a com força em volta do papel
Ele entende, beija-lhe a testa e anda na direção oposta ao precipício em que ela se sentara
Ela volta, devagar, deixando o vento lamber-lhe o rosto, agora completamente salgado e molhado
Ele abre o bilhete enquanto caminha

"Não conseguirei esperar que me desenhem asas,
Chegou a hora de dar um passo em frente
Nos encontraremos no pôr do Sol..."

Ela olha para trás quando ouve os passos apressados entre os pedregulhos
Ele lhe estende a mão, deixando cair uma lágrima
Ela dá um passo a frente, sem tirar os olhos dos dele, deixando o vestido branco esvoaçar feito asas de um novo anjo
Ele sente o rosto molhando-se de água salgada, do mar ou dos olhos...