quarta-feira, 21 de julho de 2010

Do que se guarda no coração

E lá estava ela naquele quarto claro de hospital, suas mãos pareciam não pertencer a si mesma, estavam brancas demais.
Sua visão era embaçada, mas podia ver o rosto que a fitava sereno, tentando fingir que não havia dor ou preocupação.
Ele segurou sua mão, fez seus dedos se encaixarem.
Ela tinha certeza de que deveria dizer o que estava pensando, sabia que tudo mudaria nas próximas horas. Mas simplesmente não conseguiu dizer as palavras certas:
-Me desculpe, não era isso que eu queria.
Ele ficou olhando em seus olhos marejados e quando abriu a boca para responder-lhe, os olhos dela começaram a se fechar devagar sob efeito do medicamento. Encostou os lábios nos cablos dela e disse baixinho:
-Não há de que se desculpar. Você foi a melhor coisa que já me aconteceu. Eu queria ter te dito antes...
Quando ela abriu os olhos novamente, num novo quarto, claro demais para sua visão desajustada, sentiu o novo coração batendo em seu peito. Percebeu que tudo havia ocorrido como o planejado, mas ainda praguejava baixinho. Preferia ter aquele coração que morreria em pouco tempo e amá-lo pelo restante de seus dias, que precisar viver com os amores de outra pessoa.
Sua mãe levantou-se da poltrona, ao ouvir sua respiração mudando de ritmo e falou mais baixo do que se lembrava que sua mãe pudesse falar. Perguntava como a filha se sentia e outras coisas que não lhe faziam nenhum sentido. Ela interrompe, antes de poder prestar atenção ao que a mãe dizia:
-Mãe! Eu não quero vê-lo...Está bem?
A mãe concorda, confusa, decidindo por não contrariar a filha recém operada. A menina ainda divaga, imaginando que tudo o que sentia por ele, deveria ser tão ruim quanto seu velho coração e precisava ser retirado de seu peito. Seu coração dispara ao pensar nele, mas ela imagina que é apenas por não estar habituado a seu novo corpo.
___________________________________________________

Ainda estava na sala de espera, imaginando porque ela estava demorando tanto para acordar. Ele tinha ficado no quarto todo esse tempo, mas a mãe da menina decidiu que ele precisava comer algo e ir para casa descansar. Ele não foi para casa, mas seu estômago estava mesmo implorando por alguma comida.
Depois de comer não lhe permitiram voltar e a mãe dela lhe disse que apenas a família poderia ficar no quarto. Ele não entendeu e acreditou que havia algo de muito estranho. Decidiu esperar, logo a mãe dela precisaria ir ao banheiro e ele a colocaria na parede.
Não demorou nada e ela saiu do quarto. Já estava indo em sua direção, quando decidiu esconder-se e entrar no quarto quando ninguém estivesse olhando.
___________________________________________________

Sua mãe acabara de sair para buscar comida, prometendo não demorar. Seus pensamentos voavam para algum lugar dentro daquele imenso hospital, procurando pelos pensamentos dele.
A porta se abriu e ela pensou que a mãe havia mesmo sido rápida dessa vez.
Era ele.
Continuava incrivelmente bonito, mesmo tendo passado todas aquelas horas sem dormir. Seus cabelos estavam despenteados, exatamente como quando ela deixava seus dedos deslizarem entre os fios, deixando-o muito irritado, tentando colocá-los no lugar. Aquela lembrança a fez sorrir. Ele sorriu de volta.
-Ei!Você já está acordada. Como está se sentindo?
Percebeu que ele se preocupava e que não deveria lhe dar esperanças. Passou a ser rude, agindo como achou que seria o antigo dono daquele frio coração que jamais se derreteria àquele sorriso incrível à sua frente.
-Estou ótima! Pode ir embora. Não preciso mais de você.
Ele fica estático. Alguma coisa estava acontecendo. Sabia que sempre que ela era rude, algo a estava incomodando. Se aproximou, estendeu a mão para os cabelos dela e colocou aquela mecha insistente atrás de sua orelha. Ela estremeceu. Ele ficou preocupado.
-Está com frio?
-Não. Eu estou bem. Já disse que você pode ir embora...
Tocou-lhe o ombro direito. Da maneira como apenas ele poderia tocar, da maneira como só ela poderia sentir.
-Eu nunca irei embora. Sempre estarei com você.
Entrelaçou seus dedos nos dela e se aproximou para beijar sua testa. Foi somente quando o peito dele tocou o seu que ela percebeu o ritmo alucinado do novo coração e a maneira como rapidamente acompanhava o ritmo da já conhecida música que vinha do coração dele.Ela sorriu envergonhada.
-Eu achei que esse novo coração seria incapaz de sentir a mesma coisa por você. Eu achei que arrancando meu antigo coração, me estariam arrancando todo o sentimento que eu tenho por você, eu achei que...
-Achou que era apenas o seu coração que sentia algo?
-É...
-Eu jamais pensaria isso.
-Por que?
-Porque meu coração apenas bombeia tudo que eu sinto por você. Apenas leva para todo o corpo a felicidade de ter você por perto. É por isso que fica tão mais rápido quando você está comigo. Quando meu corpo percebe sua presença, cada célula exige a sensação que apenas seu toque me traz...
-Agora eu sei.
-Sabe?
-Sei. Bastou que seus dedos entrelaçassem os meus para que eu percebesse que você não é só o encaixe das minhas mãos ou do meu coração. Você é o encaixe do meu corpo todo, da minha alma. E sem você...Eu sou apenas metade de mim...

3 comentários: